terça-feira, 15 de setembro de 2015

Quem não seguiu o mendigo Joaõsinho Beija-Flor?

Beija-Flor 1989
Estranho como a gente no carnaval foi fazendo tantas experiências, algumas nem tão bem sucedidas, mas quase que a maioria tão boas, que as surpresas, daquelas de marcar época parecem já complicadas de surgirem.

Paulo Barros surgiu ao "grande carnaval" em 2004 trazendo uma gama de soluções para esta ausência de novidades, assim como Rosa Magalhães ao seu tempo, Renato Lage, Arlindo Rodrigues, a Comissão de Laíla. Fernando Pamplona, o grande mestre, incendiou este conceito de que carnaval é algo mutável, mas também não pode ser trocado a preço de banana, têm tradições que precisam ser consideradas para além do gosto/desejo de se transformar e/ou renovar.
Tijuca 2004
Logo após a contratação do genial Paulo Barros para o carnaval 2016 na Portela, seu vice-presidente Falcon, declarou: "só não pode mexer com nossa porta-bandeira", alusivo à tentativa frustrada de dar visibilidade ao casal de mestre-sala e porta-bandeira da Mocidade em 2015.

É claro que as arquibancadas e galerias do povo que vem ver carnaval no Rio de Janeiro, e aos amantes que aqui vivem o ano inteiro respirando este doce aroma das escolas de samba, esperam todo ano por algo que seja novo e surpreendente, mas este novo pode também ser um espetáculo revestido de tradição, desde que se tenha uma visão de bom gosto e elegância. 

As surpresas que esperamos para este 2016, não precisam necessariamente serem pontes explodindo na Sapucaí, ou Comissões com elementos alegóricos gigantescos, ou bossas enormes de bateria, homens voando pela avenida ou algo  de outro mundo, é preciso acima de tudo ter o senso da tradição, que não pode se perder com estes efeitos mirabolantes, e em seguida, não menos importante, ter atenção e cuidado quanto ao capricho e bom gosto destas escolhas.

Surpresas muito agradáveis por exemplo, eu vi ao desfile produzido pelo carnavalesco Fábio Ricardo nestes últimos dois anos, tanto em sua homenagem à Maricá quanto ao 'baralho' de 2015, onde soluções muito criativas e positivas renderam um bom resultado à Grande Rio, ainda que sob suspeitas de que com grana tudo fica mais tranquilo de se executar.

Acho que 2016 nos reserva senão surpresas, ao menos ansiedade, para vermos o trabalho do carnavalesco Leandro Vieira e a homenagem da Estação Primeira de Mangueira à Maria Bethânia, as soluções que a Imperatriz trará para a homenagem que presta aos sertanejos Zezé Di Camargo e Luciano, o Salgueiro com jeito malandro do casal Lage, a Rosa e seus palhaços na promessa de uma São Clemente competitiva, Paulo Barros na tradicionalíssima Portela, e algumas outras expectativas não menores que estas.
Carnavalesco Leandro Vieira e Maria Bethânia

E que venha um outro apoteótico "mendigo Joãosinho Beija-Flor", que tenhamos a oportunidade de vermos desfiles regados de bom gosto, sofisticação, e que seus produtores consigam este difícil misto de tradição com modernidade, que as cores da Verde e Rosa sejam refundadas sem perder sua essência, que o luxo da Beija-Flor de Nilópolis venha acompanhado de novidades como aquelas de Joãosinho, que a Tijuca aperfeiçoe o estilo inovador com capricho e luxo, que a Estácio de Sá consiga mostrar mais do que a garra de seus componentes, que a Vila venha com toda sua energia e faça um desfile pra marcar época, que a Grande Rio desague com soluções equilibradas e a marca do bom gosto de Fábio Ricardo, que a União da Ilha possa nos fazer ver uma desfile diferente ao que estamos esperando, que as baterias se superem, os intérpretes dediquem suas vidas pelo melhor microfone. E que tantas outras apostas se concretizem, e que sejamos ao final disto tudo, simplesmente surpreendidos! 

E quem não seguiu o mendigo Joãosinho Beija-Flor?

                                                                   

Joãosinho Trinta

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O tal samba de escritório

Quadra Vila Isabel
Eis aí, o samba! Quando se pensa em samba, logo vem a mente um lugar harmônico, onde quase não há polêmicas... Não é bem assim! Vamos rapidamente entender primeiro onde surge este artigo. Um dos períodos mais movimentados e animados durante o ano em uma escola de samba é, normalmente, a disputa de samba enredo. Durante essa disputa de samba parcerias de compositores vão semana a semana apresentando seus sambas de forma eliminatória até chegarmos ao campeão, no samba que a escola levará pra Sapucaí. Bem, a polêmica da qual trataremos aqui está em alta entre os compositores, o conceito “samba de escritório”.

O “samba de escritório” é utilizado para considerar um compositor tradicional de uma escola que ajuda ou até é acusado de fazer o samba para uma parceria de outra escola, porém não assina o samba. É visto por muitos compositores por falta de respeito e ética. Historicamente esta crítica não faz muito sentido. Vamos para o berço do samba, em 1916, onde neste período a casa da baiana Ciata, localizada na Cidade Nova, era uma referência para os negros e mestiços músicos do Rio de Janeiro. Foi nesta localidade que o compositor Donga, filho da Tia Amélia, outra baiana, percebeu que aqueles versos cantados nas rodas de música poderiam virar um samba. Fez-se então a parceria com o Jornalista Mauro de Almeida na composição do samba “Pelo Telefone”, registrada na Biblioteca Nacional e gravada na Odeon. Mas nem todos aceitam essa história, há uma corrente que defende que este samba não foi feito por eles. Anos depois, no período já da morte de Donga, nascia Noel Rosa. Noel Rosa foi um excelente compositor, vendeu diversos sambas, fazia parcerias muitas vezes por interesses financeiros, neste período outros compositores agiam da mesma forma, Ismael Silva, Wilson Batista. 


Nos dias de hoje não é visto ninguém por em cheque a qualidade e talento desses gênios. Como também são absurdas acusações desse nível. O compositor tem o prejuízo com o palco, interpretes, com artigos para enfeitar suas torcidas, e ainda iriam querer rachar com mais um o valor dos direitos do samba, sendo que parte fica para a escola, outra parte tapa os prejuízos da disputa, sendo que este mais um nem assinou o samba? Não faz sentido. E mesmo que fizesse, para que prender e encurralar o talento? Ajudar, recebendo algo ou não, é antiético? Incompreensível. Se este conceito “samba de escritório” for realmente o que se diz, que continue! Quantos mais sambas de qualidade e feitos por grandes compositores melhor!