Por Luis Carlos Magalhães, colunista do site Carnavalesco
E nós que pensávamos que aquele incêndio havia sido devastador.
Entre mortos e feridos salvaram-se todos. A Grande Rio saiu fortalecida, engrandecida até, e a Ilha tirou de letra se agora olharmos com um ano de distanciamento. E a Portela... bem, a Portela ficou mesmo chamuscada, todos lembramos.
E agora este outro, o verdadeiro incêndio.
Aquele outro queimou fantasias, madeiras, arames e isopores. Nada mais que isto.
O novo incêndio, esse que está aí queimando, é o que não queima materiais... logo recompostos, recomprados, reconstruídos. O mais cruel incêndio é o que queima emoções, ilusões, projetos, sonhos e memórias.
Queima nossas tradições, nossas crenças, nossa história.
A justiça federal confirma a reintegração na posse de áreas da União até então ocupadas pelos barracões das escolas do acesso. E aí haverá carnaval do acesso? Haverá um carnaval prejudicado pelo atraso das alegorias? Será que estão só esticando a corda para afinal aparecer um “salvador”? Será que já está sendo pensado um local da cidade para “despejar” os chassis inconcluídos? Será que vai haver uma exposição do descaso, da desconsideração e do desprezo à cultura popular?
Para o carnaval carioca, uma tragédia às vésperas de fevereiro. Uma tragédia anunciada e mais que prevista. O que não sabemos é se é de fato uma tragédia “mesmo” já que esta definição dependerá sempre de uma pergunta que a toda hora deve ser feita: de que carnaval estamos falando?
E, mais, a pergunta mais incisiva ainda é a que busca saber: que acontecerá se os desfiles do acesso não acontecerem? E, pior, e mais grave e incisiva ainda: que acontecerá se o carnaval do acesso nunca mais acontecer?
Quem sentirá falta? Será que há alguma entidade pública se importando com aqueles desfiles por elas vistos como “desinteressantes”, “longínquos” e “pobres” da Intendente Magalhães, ou até mesmo daqueles outros “melhorzinhos” de sábado e de terça? Todos tão desglamourizados...
E olha que não sou daqueles mais entusiasmados com os rumos e com os últimos acontecimentos do acesso principal. Mas não sou mesmo! Sou entusiasmado com as escolas, não com os rumos que lhes estão sendo dados.
Hoje vejo com muito maior racionalidade e, portanto, menos angústia a partir do momento que consegui finalmente enxergar a lógica do “maior espetáculo da terra”.
Como já exaustivamente expus aqui, a equação do carnaval dos desfiles repousa sobre um fantasticamente eficiente e inabalável tripé.
Para mim, toda a razão de tanta desconsideração citada está no fato de o carnaval dos desfiles serem pilotado com exagerada supremacia pelos interesses da RIOTUR.
E não pensem que vai aqui nenhuma crítica quanto ao papel institucional da empresa e muito menos quanto a quem a dirige.
Seu papel, como é sabido, é fomentar o turismo na cidade e, assim, incrementar os fluxos financeiros e a economia dos serviços e do comércio cariocas. E nesta tarefa tanto a empresa quanto seus dirigentes estão se saindo muito bem.
“O carnaval tá bom assim”, pra eles.
No segundo pé do tripé vamos encontrar a LIESA. E qual tem sido sua missão?
Um carnaval tal como era, com atrasos, com alegorias caídas, com a polícia espancando populares, só fazia afastar turistas e depor contra a imagem da cidade e de sua população, certo?
Eis o papel do pé-LIESA do tripé. Normatizar a festa, estruturá-la, organizá-la, fazê-la acontecer de forma a mostrar ao resto do país e à parte do mundo a mais bela, mais original e maior festa da nossa gente. Mostrar que somos capazes de receber a todos competitivamente com as maiores atrações do planeta.
E nisto aí a LIESA tem dado show de bola, sabemos, se superando a cada ano. Para ela, o “carnaval tá bom assim!”.
Mas e aí? De que vale termos a festa que temos, o nível de organização que temos, se ninguém sabe disso?
Este o papel do terceiro pé do inabalável tripé de que estamos falando. Cabe à rede de televisão levar e dar conhecimento a todo o país e um bom pedaço da Terra toda a beleza e a hospitalidade de nossa festa.
Faz isto à sua maneira, é certo. Segundo seus interesses e sua estratégia comercial e artística - empresa que é - mas cumpre com êxito a missão que dela é esperada atraindo hoje o turista que virá amanhã partindo das cidades brasileiras e de portos do mundo inteiro. Há quem diga algo em torno de 50 milhões de telespectadores aqui e 500 milhões no mundo. Quem poderá desprezar tais números, mesmo que exagerados
E é assim que, para ela, “o carnaval tá bom assim”.
Toda essa repetição aí em cima para abordar e trazer a questão do “incêndio de verdade”.
E, para começar, voltemos àquela tal pergunta desta vez mais diretamente, mirando no alvo:
À RioTur, à LIESA, à Rede Globo importa o que acontecer aos desfiles dos grupos de acesso? Ou o carnaval “tá bom assim para eles”?
Vivemos em uma sociedade de massas, de consumo, e à cada geringonça nova, mais globalizada. E é assim que tudo há tem que ser formatado, produzido e vendido. Tal como nosso carnaval.
Mesmo reconhecendo tais imperativos e a extrema competitividade da atração de turistas, não podemos deixar de apontar para necessidade de se encontrar caminhos para a “beirada” cultural de nossa festa exigindo a toda hora a atenção e atitude de outros órgãos desvinculados da ótica turística e voltados para a alma da festa. Tá Claro?
Não estou certo se é o Estado ou a própria Prefeitura que se omite. E até mesmo se são os dois entes. A eles, separadamente ou em conjunto, deveria caber a responsabilidade da dimensão cultural dos desfiles, sobretudo a preservação daqueles menos glamourizados, excluídos da dimensão comercial e turística vigente, ainda que geradores de uma economia setorizada nada desprezível.
Um desfile da Intendente, com suas 41 escolas, por três noites absolutamente pacíficas, com invejável marca comunitária, apresenta atrativos diametralmente opostos aos da Sapucaí representando invejável diversidade cultural.
Eu evento é este capaz de atrair 30 mil pessoas diariamente, mais de cem mil carnavalescos cidadãos nos três dias e sábado seguinte. Famílias inteiras com algum, pouco ou nenhum dinheiro no bolso.
Quanto tempo demoraria para se “construir” um evento com tais números? Entre sambistas, assistentes, público em geral, podemos contar pra lá de 30 a 35 mil foliões da passarela do povo.
Ao Estado, ao Município, NÃO através de seus mecanismos turísticos e de fomento, mas de mecanismos culturais cabe o exame, o debate, o conhecimento de quanto representa para a cidade, para sua memória, para sua originalidade, para a defesa de suas tradições e, ainda, para o fortalecimento daquela outra festa – que é nossa – da Sapucaí, a vitalidade dos desfiles populares das periferias da cidade.
Compreender, valorizar e fortalecer a manutenção e o fortalecimento daqueles carnavais “desglamourizados” tão valorizados alegremente pelas populações locais.
Será que não há ninguém nos quadros desses governos capaz de propor algo, de apresentar alguma alternativa.
Quem sabe ali mesmo no bairro do Caju, tão próximo de tudo, tão degradado, será que a presença ali da vida do carnaval da cidade não amenizaria a marca pesada da morte representada por inúmeros cemitérios? A distância... a avenida Brasil...quem saberá se esta é a melhor saída?
Será que nenhum técnico será capaz de engendrar alguma engenharia financeira, eles tão competentes e despachados em outras ocasiões? Será que o BNDES se disporia a participar de alguma alternativa, com garantia de retorno, claro?
Não, não será a RIOTUR, nem a LIESA e nem a Rede Globo a buscar tais caminhos. Como vimos, o carnaval deles – que é o nosso também – é outro e, como vimos, “está bom assim!”.
Está bom e estará assim até que um dia – será que um dia chegaremos à situação de ter só o desfile principal? – o sambista, tal como o samba-enredo hoje, perderá o protagonismo da festa.
Até que um dia as alegorias fiquem ainda mais atraentes, maiores, mais belas, mais coloridas e iluminadas e mais numerosas. Até que ninguém mais, de casa ou da passarela, turistas ou não, consiga sequer enxergar o chão da pista e , em meio a tanta coreografia, enxergará muito menos os pés dos passistas e os requebros das nossas sambistas.
Um dia em que não se ouvirá mais a voz do canto de ninguém e o desfile deixará de ser uma festa de canto e dança. Será que um dia o imperativo turístico maximizará resultados a partir de um “play back” com o samba enredo pré-gravado? E outro simulando o canto dos componentes?
Mesmo com todo o exagero acima, nos resta delirar e imaginar o povo carioca outra vez reinventar outra festa, que tenha sua cara, cantando, dançando e contando sua história, seus dramas e suas comédias... sua inquebrantável alegria de viver.
Entre mortos e feridos salvaram-se todos. A Grande Rio saiu fortalecida, engrandecida até, e a Ilha tirou de letra se agora olharmos com um ano de distanciamento. E a Portela... bem, a Portela ficou mesmo chamuscada, todos lembramos.
E agora este outro, o verdadeiro incêndio.
Aquele outro queimou fantasias, madeiras, arames e isopores. Nada mais que isto.
O novo incêndio, esse que está aí queimando, é o que não queima materiais... logo recompostos, recomprados, reconstruídos. O mais cruel incêndio é o que queima emoções, ilusões, projetos, sonhos e memórias.
Queima nossas tradições, nossas crenças, nossa história.
A justiça federal confirma a reintegração na posse de áreas da União até então ocupadas pelos barracões das escolas do acesso. E aí haverá carnaval do acesso? Haverá um carnaval prejudicado pelo atraso das alegorias? Será que estão só esticando a corda para afinal aparecer um “salvador”? Será que já está sendo pensado um local da cidade para “despejar” os chassis inconcluídos? Será que vai haver uma exposição do descaso, da desconsideração e do desprezo à cultura popular?
Para o carnaval carioca, uma tragédia às vésperas de fevereiro. Uma tragédia anunciada e mais que prevista. O que não sabemos é se é de fato uma tragédia “mesmo” já que esta definição dependerá sempre de uma pergunta que a toda hora deve ser feita: de que carnaval estamos falando?
E, mais, a pergunta mais incisiva ainda é a que busca saber: que acontecerá se os desfiles do acesso não acontecerem? E, pior, e mais grave e incisiva ainda: que acontecerá se o carnaval do acesso nunca mais acontecer?
Quem sentirá falta? Será que há alguma entidade pública se importando com aqueles desfiles por elas vistos como “desinteressantes”, “longínquos” e “pobres” da Intendente Magalhães, ou até mesmo daqueles outros “melhorzinhos” de sábado e de terça? Todos tão desglamourizados...
E olha que não sou daqueles mais entusiasmados com os rumos e com os últimos acontecimentos do acesso principal. Mas não sou mesmo! Sou entusiasmado com as escolas, não com os rumos que lhes estão sendo dados.
Hoje vejo com muito maior racionalidade e, portanto, menos angústia a partir do momento que consegui finalmente enxergar a lógica do “maior espetáculo da terra”.
Como já exaustivamente expus aqui, a equação do carnaval dos desfiles repousa sobre um fantasticamente eficiente e inabalável tripé.
Para mim, toda a razão de tanta desconsideração citada está no fato de o carnaval dos desfiles serem pilotado com exagerada supremacia pelos interesses da RIOTUR.
E não pensem que vai aqui nenhuma crítica quanto ao papel institucional da empresa e muito menos quanto a quem a dirige.
Seu papel, como é sabido, é fomentar o turismo na cidade e, assim, incrementar os fluxos financeiros e a economia dos serviços e do comércio cariocas. E nesta tarefa tanto a empresa quanto seus dirigentes estão se saindo muito bem.
“O carnaval tá bom assim”, pra eles.
No segundo pé do tripé vamos encontrar a LIESA. E qual tem sido sua missão?
Um carnaval tal como era, com atrasos, com alegorias caídas, com a polícia espancando populares, só fazia afastar turistas e depor contra a imagem da cidade e de sua população, certo?
Eis o papel do pé-LIESA do tripé. Normatizar a festa, estruturá-la, organizá-la, fazê-la acontecer de forma a mostrar ao resto do país e à parte do mundo a mais bela, mais original e maior festa da nossa gente. Mostrar que somos capazes de receber a todos competitivamente com as maiores atrações do planeta.
E nisto aí a LIESA tem dado show de bola, sabemos, se superando a cada ano. Para ela, o “carnaval tá bom assim!”.
Mas e aí? De que vale termos a festa que temos, o nível de organização que temos, se ninguém sabe disso?
Este o papel do terceiro pé do inabalável tripé de que estamos falando. Cabe à rede de televisão levar e dar conhecimento a todo o país e um bom pedaço da Terra toda a beleza e a hospitalidade de nossa festa.
Faz isto à sua maneira, é certo. Segundo seus interesses e sua estratégia comercial e artística - empresa que é - mas cumpre com êxito a missão que dela é esperada atraindo hoje o turista que virá amanhã partindo das cidades brasileiras e de portos do mundo inteiro. Há quem diga algo em torno de 50 milhões de telespectadores aqui e 500 milhões no mundo. Quem poderá desprezar tais números, mesmo que exagerados
E é assim que, para ela, “o carnaval tá bom assim”.
Toda essa repetição aí em cima para abordar e trazer a questão do “incêndio de verdade”.
E, para começar, voltemos àquela tal pergunta desta vez mais diretamente, mirando no alvo:
À RioTur, à LIESA, à Rede Globo importa o que acontecer aos desfiles dos grupos de acesso? Ou o carnaval “tá bom assim para eles”?
Vivemos em uma sociedade de massas, de consumo, e à cada geringonça nova, mais globalizada. E é assim que tudo há tem que ser formatado, produzido e vendido. Tal como nosso carnaval.
Mesmo reconhecendo tais imperativos e a extrema competitividade da atração de turistas, não podemos deixar de apontar para necessidade de se encontrar caminhos para a “beirada” cultural de nossa festa exigindo a toda hora a atenção e atitude de outros órgãos desvinculados da ótica turística e voltados para a alma da festa. Tá Claro?
Não estou certo se é o Estado ou a própria Prefeitura que se omite. E até mesmo se são os dois entes. A eles, separadamente ou em conjunto, deveria caber a responsabilidade da dimensão cultural dos desfiles, sobretudo a preservação daqueles menos glamourizados, excluídos da dimensão comercial e turística vigente, ainda que geradores de uma economia setorizada nada desprezível.
Um desfile da Intendente, com suas 41 escolas, por três noites absolutamente pacíficas, com invejável marca comunitária, apresenta atrativos diametralmente opostos aos da Sapucaí representando invejável diversidade cultural.
Eu evento é este capaz de atrair 30 mil pessoas diariamente, mais de cem mil carnavalescos cidadãos nos três dias e sábado seguinte. Famílias inteiras com algum, pouco ou nenhum dinheiro no bolso.
Quanto tempo demoraria para se “construir” um evento com tais números? Entre sambistas, assistentes, público em geral, podemos contar pra lá de 30 a 35 mil foliões da passarela do povo.
Ao Estado, ao Município, NÃO através de seus mecanismos turísticos e de fomento, mas de mecanismos culturais cabe o exame, o debate, o conhecimento de quanto representa para a cidade, para sua memória, para sua originalidade, para a defesa de suas tradições e, ainda, para o fortalecimento daquela outra festa – que é nossa – da Sapucaí, a vitalidade dos desfiles populares das periferias da cidade.
Compreender, valorizar e fortalecer a manutenção e o fortalecimento daqueles carnavais “desglamourizados” tão valorizados alegremente pelas populações locais.
Será que não há ninguém nos quadros desses governos capaz de propor algo, de apresentar alguma alternativa.
Quem sabe ali mesmo no bairro do Caju, tão próximo de tudo, tão degradado, será que a presença ali da vida do carnaval da cidade não amenizaria a marca pesada da morte representada por inúmeros cemitérios? A distância... a avenida Brasil...quem saberá se esta é a melhor saída?
Será que nenhum técnico será capaz de engendrar alguma engenharia financeira, eles tão competentes e despachados em outras ocasiões? Será que o BNDES se disporia a participar de alguma alternativa, com garantia de retorno, claro?
Não, não será a RIOTUR, nem a LIESA e nem a Rede Globo a buscar tais caminhos. Como vimos, o carnaval deles – que é o nosso também – é outro e, como vimos, “está bom assim!”.
Está bom e estará assim até que um dia – será que um dia chegaremos à situação de ter só o desfile principal? – o sambista, tal como o samba-enredo hoje, perderá o protagonismo da festa.
Até que um dia as alegorias fiquem ainda mais atraentes, maiores, mais belas, mais coloridas e iluminadas e mais numerosas. Até que ninguém mais, de casa ou da passarela, turistas ou não, consiga sequer enxergar o chão da pista e , em meio a tanta coreografia, enxergará muito menos os pés dos passistas e os requebros das nossas sambistas.
Um dia em que não se ouvirá mais a voz do canto de ninguém e o desfile deixará de ser uma festa de canto e dança. Será que um dia o imperativo turístico maximizará resultados a partir de um “play back” com o samba enredo pré-gravado? E outro simulando o canto dos componentes?
Mesmo com todo o exagero acima, nos resta delirar e imaginar o povo carioca outra vez reinventar outra festa, que tenha sua cara, cantando, dançando e contando sua história, seus dramas e suas comédias... sua inquebrantável alegria de viver.
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