Squel, Nelson Sargento, Raphael e Evelyn Bastos |
Samba é memória. O sambista, mesmo que tenha 14 anos, tem saudade do passado, que às vezes nem viveu, e é por isso que o samba nunca morrerá. Pode ser um passado de glórias, um passado de lutas, um passado de amores, um passado fingido no qual ele acredita. O negócio é lembrar e fazer samba.
A memória de Nelson Sargento, aos 90 anos, é daquelas que se diz: prodigiosa. Recorda que, de tamborim na mão, calça e tênis brancos, camisa azul de jérsei e cartolinha de feltro, descia, moleque franzino, as ladeiras do Morro do Salgueiro, para brincar o Carnaval da Rua Dona Zulmira - território de Nelson por excelência onde corriam soltas as batalhas de confete, em meio às fantasias de colombina, pierrô, arlequim e outras vestes e cores das perdidas ilusões.
Foi aos 11 anos que chegou em Mangueira, para viver com a mãe ao lado do fadista (depois sambista) Alfredo Português, em cujo barraco havia animadas reuniões regadas com carne moqueada e cerveja casco escuro, da qual participavam Cartola, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, Geraldo Pereira, Aloísio Dias (com quem aprendeu a tocar violão).
Ali afinou não só o instrumento como também um extraordinário ouvido musical. Ele era o "gravador" da turma, permitindo que muitos sambas daquela época pioneira não caíssem no esquecimento. Só de Cartola, "salvou" três aos quais acrescentou uma segunda parte: "Deixa", "Ciúme doentio" e "Vim lhe pedir".
Nelson Mattos, Sargento apenas no apelido, compositor nato, registrou seu nome na história da gloriosa Estação Primeira de Mangueira com o lendário "Cântico à natureza" de 1955, considerado um dos maiores sambas de enredo de todos os tempos e ainda em 1965 o show "Rosa de Ouro".
Nelson, o Sargento, ainda trabalhou como ator em filmes de Cacá Diegues e Walter Salles, é também um frasista de mão cheia: "O maior inimigo do pobre é o pobre". Peço licença a este grande mestre para acrescentar à estas mal traçadas linhas uma faceta artística que pouca gente tem conhecimento: Nelson Sargento é um vibrante escritor de contos eróticos sem tons de cinza.
Aos 90 anos, ainda, a Estação Primeira de Mangueira, para além das discussões e torcidas, recebeu de seu Presidente de Honra, uma bela composição que disputa entre as demais a possibilidade de se tornar o hino da Verde e Rosa nesta justa homenagem que a cantora Maria Bethânia em 2016, retrato e certeza de que "o samba agoniza mais não morre..."
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