As reflexões sobre as influências da Indústria Cultural têm permeado as discussões e os trabalhos acadêmicos que procuram compreender as mudanças de valores e de práticas socioculturais. Essas mudanças se deram profundamente no campo das artes - no fazer e no compartilhar - nas últimas décadas. Quando os sambas enredos passaram a ser gravados em LPs, o impacto da máquina da indústria fonográfica se fez sentir diretamente nas quadras.
A entrada dos carnavalescos nas Escolas de Samba com o intuito de produzir desfiles grandiosos, de acordo com padrões mais afeitos à academia e ao turismo, e a transmissão do que se passou a chamar "espetáculo" (em substituição a "festa" e "manifestação popular") pela televisão provocaram alterações decisivas na concepção do samba, do sambista, das agremiações e do carnaval. Artistas egressos da escola de Belas Artes encontraram nas escolas um lugar para desenvolver visões de arte trazidas de uma cultura que não a popular.
Com a transformação do desfile em "espetáculo", a força de uma escola passou a ser medida pela sua apresentação visual (alegorias, adereços e fantasias, portanto objetos de encenação) em detrimento do samba-canto (a voz e as vozes, a harmonia de uma comunidade), do samba-ritmo (as batidas criadas pelas mãos, braços e pés, que repercutem os instrumentos) e do samba-dança (os quadris, os umbigos, as pernas, os pés, os braços, as cabeças que giram sincopadamente, como o pulsar do coração) (portanto, canto, ritmo e dança são expressões dos sujeitos da encenação, os donos da festa).
Com o tempo o aumento não se deu apenas nos carros alegóricos, uso de adereços, tripés, mas também nas fantasias. Assim a preocupação com o visual da escola ficou maior que a preocupação com o componente, com o ser humano.
Em recente ciclo de palestras que está sendo apresentada mensalmente no CCBB, uma das perguntas dirigidas aos entrevistados foi "qual a maior preocupação na concepção de um tema enredo?". Na resposta dos artistas não estava em primeiro lugar o componente, nem a característica da escola. Esse fato me fez recordar a equipe de Max Lopes quando de seu primeiro carnaval na Mangueira. A primeira medida de sua então fiel escudeira à época, Regina, foi conversar com cada presidente de ala, conhecer o perfil dos componentes e na ocasião da entrega da fantasia, marcar novo encontro para explicar o significado da fantasia no contexto do enredo, fornecer uma amostra de cada material a ser utilizado na roupa (naquela época ainda existia o protótipo - fantasia piloto fornecida atualmente pela comissão de carnaval). O respeito ao corpo da escola se refletia no desfile, pela participação do coletivo na construção do carnaval.
Inicialmente a participação do componente para compor o visual do espetáculo se deu pelo aumento do adereço de mão em número e em tamanho, até que efetivamente o corpo do sambista passou a ser também um "carrinho" sob duas pernas. Foi fazendo parte da indumentária resplendores, chapéus altos, roupas enormes, muitos panos pendurados, excesso de adornos e plumas. Assim, o chamado visual da escola passou a ter um peso muito maior do que nos anos 30, 40 e 50 quando era possível se conquistar campeonatos com apenas um bom samba, uma boa bateria, e as pastoras na avenida. Esse processo de massificação, em que o ser humano é visto como objeto foi tornando cada vez mais difícil a leitura do enredo e levando à perda da "aura" que permeia a arte.
A grande novidade desta semana foi a decisão do diretor-geral de Carnaval da Beija-Flor, Laíla, de retirar todos os resplendores das fantasias de todas as alas para que os componentes fiquem mais leves, permitindo uma melhor evolução durante o desfile, afirmando que o glamour e a imponência da escola estará garantida com a força de chão no desfile. Como o carnaval é movido a tendências, vamos torcer para que o sambista volte e ser mais valorizado e não a mercadoria da indústria cultural.
VALE LEMBRAR
O carnavalesco da Estação Primeira de Mangueira, Cid Carvalho, já havia anunciado algum tempo atrás que a verde e rosa vem para seu desfile em 2012 sem cangalhas, leve, solta, com seu componente do jeito que gosta, cantando forte sua hístória, com samba no pé, com todo seu amor ao pavilhão de Mangueira, e com a tranquilidade de uma fantasia limpa, criativa, luxuosa, porém leve. Pra mostrar a essa gente que o samba é lá em Mangueira!
Parabéns Mangueira!
Parabéns Beija Flor!
Que siga de exemplo!
Axé!
RAYMONDH JÚNIOR
twitter - raymondhjunior
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