Por Cláudio Russo, colunista do site SRZD.
Salgueiro |
Fernando Pamplona |
Era o ano de 1959 e um grande encontro antecipava o começo da reação do samba como manifestação popular em detrimento aos temas nada culturais, porém populistas que marcaram as primeiras décadas de desfiles das escolas de samba na cidade do Rio de Janeiro, ao retornar as suas raízes e contar a história daqueles que enfrentaram a opressão, retrato dos menos favorecidos, a classe oprimida. O artista plástico Fernando Pamplona, depois do Carnaval, foi convidado pelo presidente Nélson de Andrade para elaborar o enredo dos Acadêmicos do Salgueiro para 1960, por ter surgido uma admiração mútua. Pamplona, ao julgar os quesitos escultura e riqueza, deu nota máxima ao Salgueiro, nota maior que a alcançada pela campeã do ano, a Portela. E ficou maravilhado com o desfile dos brancos encarnados do bairro Tijuca. Nelson ficou ainda mais satisfeito com a resposta positiva de Fernando, que veio acompanhada da sugestão de homenagear uma figura da história do Brasil tão importante quanto esquecida.
O grande líder de Palmares provocou uma mudança na galeria dos enredos em louvor a figuras de nossa história, esse quilombo tem magia... Sergio Cabral salienta na obra "As Escola de Samba do Rio de Janeiro" que o Salgueiro em 1955 já havia fugido dos padrões comuns ao Carnaval, quando homenageou o prefeito Pedro Ernesto, que era considerado pelo regime da época como subversivo. Pois bem, esse Salgueiro de vanguarda e de abordagem crítica, Salgueiro de resistência cultural ao trazer acadêmicos para seus quadros e recuperar passagens históricas esquecidas dos livros didáticos, é a mesma Academia que há alguns anos retoma o seu destino e nos brinda com enredos dignos de suas origens.
E por falar em origens, o cordel, fiel errante da literatura popular, é mais um exemplo da resistência da manifestação da gente mais humilde, seus causos e seus heróis ganham a eternidade das letras desde a França dos doze pares até nossos dias, passando por personagens qual Pedro Malazarte, lendas como a do Pavão misterioso e as andanças de Lampião e seu bando pelo sertão. Sobram motivos, faltam adjetivos para se emocionar com o prenuncio de um casamento perfeito quando a cultura do cordel cair no samba do Salgueiro.
Confesso que não sou nenhum admirador de sinopses versadas, posto que leva muitos ao velho copiou/colou de frases feitas em seus sambas, como também impede um pouco a criação ou a procura de versos e rimas pertinentes ao enredo, mas posso dizer que esta vem por demais fazer jus ao cordel, é simples, poética, leve e inteligente, sem nada demais ou algo de menos.
Neste processo de reencontro da escola com a sua essência, deve se salientar o papel de destaque de dois setores que parecem trabalhar em perene comunhão: o departamento cultural que sem esquecer a modernidade, além do seu tempo, que a escola carrega há muito, procura soluções de enredos peculiares, atuais e que aliam conteúdo com o gosto popular; e o gênio da dupla de carnavalescos Renato e Márcia Lage, artistas na acepção da palavra. Confesso que poderia fazer vários textos em relação aos enredos e as inovações que os dois já apresentaram ao grande público carnavalesco, acho que tudo que for falado a respeito é muito pouco em virtude de tamanho talento.
É oportuno também entender que, desde 2007 com Candaces, a escola vem esforçando-se muito para fazer a desmistificação da síndrome do "explode coração na maior felicidade..." que consumiu anos e anos da poesia salgueirense. Esperamos muito a publicação deste Cordel Branco e Encarnado no Carnaval de 2012, que com a devida licença poética poderia chamar-se: A LUTA DE RESISTÊNCIA ALVO VERMELHA CONTRA O MONSTRO ENCARDIDO DA ANTICULTURA. Parabéns a toda escola pelo momento mágico e as possibilidades que se apresentam em trovas e versos.
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