sábado, 2 de março de 2013

Fernando Pamplona o carnavalesco revolucionário daquele antigo Salgueiro


Fernando Pamplona, vencedor da categoria especial do Estandarte de Ouro
Foto: O Globo / Thiago Lontra
Fernando Pamplona

O Salgueiro passava majestoso pela Avenida Rio Branco, cantando em seu enredo o pintor Debret. Aquela exibição, no carnaval de 1959, seria a motivação para um dos maiores carnavalescos da história da folia carioca ser seduzido definitivamente pelo universo das escolas de samba. Jurado dos desfiles naquele ano, Fernando Pamplona se encantou com o que viu. Deu a nota mais alta à agremiação da Tijuca, que acabou vice-campeã. Passada a Quarta-Feira de Cinzas, Pamplona recebeu a visita de Nélson de Andrade, presidente da vermelho e branco, e foi convidado a assinar o carnaval da escola no ano seguinte. Estava iniciada uma trajetória que transformaria para sempre os desfiles de carnaval. Cinquenta e quatro ano depois, Pamplona recebe o prêmio especial do Estandarte de Ouro, por toda a contribuição dada ao espetáculo hoje apresentado no Sambódromo.

— O Salgueiro em 1959 cantou um artista, enquanto todas as escolas traziam enredos de capa e espada. Foi diferente, aquilo me conquistou — lembra o artista, que ajudaria a escola a firmar sua fama de singular.

A transformação salgueirense começou logo no carnaval de 1960, o primeiro de Pamplona. Com o enredo “Quilombo dos Palmares”, a escola levou para a avenida pela primeira vez o negro como protagonista do espetáculo:

— Quando Nélson de Andrade me convidou, aceitei, mas disse que queria fazer o enredo. Decidi fazer Palmares. O negro nunca tinha sido retratado pelas escolas. A evolução foi temática.

Do Municipal para o barracão

A revolução nos enredos elevou o Salgueiro ao patamar de potência do samba. Desfiles memoráveis com temática africana, como “Festa para um rei negro”, “Chica da Silva” e “Chico Rei”, foram eternizados pela escola. Ao mesmo tempo, a vermelho e branco criou o lema que ainda hoje lhe serve de diretriz: “Nem melhor, nem pior. Apenas uma escola diferente”.

— Nélson de Andrade tinha mandado fazer uns estandartes com frases. Um deles dizia: “Nem melhor, nem pior do que ninguém. Apenas uma escola diferente”. Tiramos o “do que ninguém” e criamos o lema. O Salgueiro é mesmo diferente — diz Pamplona.

O então professor da Escola de Belas Artes levou para o barracão da agremiação da Tijuca uma turma de acadêmicos na qual foram revelados talentos como Rosa Magalhães, Maria Augusta e Lícia Lacerda. Do Teatro Municipal, onde Pamplona também dava expediente, saíram Arlindo Rodrigues e Joãosinho Trinta. Além da transformação temática, esse time de estrelas faria uma revolução plástica. A concepção de escola de samba nunca mais seria a mesma, e o Salgueiro se sagraria campeão sete vezes num período de 15 anos.

— Nós eramos amadores. Fazíamos tudo por amor. Naquela época, ninguém ganhava um centavo para fazer a escola — lembra Pamplona.

No fim da década de 70, ele deixou o Salgueiro e a função de carnavalesco. Aos poucos, afastou-se do reinado de Momo. Mas, do alto de seus 86 anos, ainda hoje ganha a vitalidade de um menino ao relembrar as histórias dos anos em que deu expediente no barracão do Salgueiro. Parte dessas passagens foi registrada no livro “O encarnado e o branco”, lançado recentemente. O título da obra, que conta a vida do carnavalesco, não é por acaso. Mesmo depois de meio século, as cores do pavilhão salgueirense ainda estão no coração do artista:

— Vermelho e branco é paixão. O Salgueiro é amor. E ponto final.

Jurado do Estandarte de Ouro por muito tempo, ele diz que receber este ano o prêmio especial foi algo curioso.

— Estou muito orgulhoso. Achei inusitado ganhar um prêmio do qual fui jurado. De todos os júris dos quais participei, o do Estandarte é o mais sério. Lembro que as reuniões para decidir os vencedores aconteciam após os desfiles, e às vezes acabavam depois do meio-dia. Ganhar o prêmio, ainda mais numa categoria especial, me deixa mais besta — brinca.


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