quinta-feira, 18 de abril de 2013

A duradoura crise da Portela

Foto: André Mourão / Agência O Dia
Portela

Falar sobre o passado da Portela é não terminar esse assunto hoje. Se a letra do samba “Passado da Portela”, de Monarco, tomada aqui como paráfrase, evoca a glória da cultura popular carioca, seus grandes nomes, seus grandes desfiles, sua contribuição à cultura do samba, hoje soa como lamento de uma agremiação que vive à espera do futuro, enquanto se digladia no presente à medida que perde prestígio e competitividade
no carnaval carioca.

(É preciso, à guisa de evitar mal-entendidos, fazer a sempre necessária distinção entre samba como gênero musical e escola de samba: embora ambos estejam estética e historicamente interligados, cada qual tem uma lógica própria, e parecem distanciar-se tanto quanto as escolas, preocupadas com a lógica da competição e do espetáculo, tratam o samba como um elemento a mais na preparação para o desfile.
Essa autonomia resultou no enfraquecimento da ala dos compositores das escolas e no desinteresse, por parte delas, a outras formas de samba que não o samba-enredo; e criou uma geração de jovens interessados em cantar e compor samba, mas totalmente desvinculados do universo das escolas de samba – geração de que a Lapa é o melhor exemplo).
A Portela que vive do passado é a Portela que detém o maior número de títulos do carnaval carioca. Não a Portela que viu brotar, de seu terreiro, grandes nomes da música brasileira: esta possui capital cultural de nove décadas para continuar a inspirar novos e veteranos, e não é à toa que um deles tente unir as duas “Portelas”, candidatando-se às eleições marcadas para fim de maio.
Muitas crises atravessam a história da Portela. Remontam aos anos 70 e 80, quando o carnaval se transformava e a Portela, pelo peso de sua história e importância, não via as transformações com bons olhos, o que acabou por gerar disputa entre seus membros mais ilustres e a direção, desejosa por abrir a escola aos ares novidadeiros.
A cisão, além de afastá-los da agremiação, fez surgir duas escolas de samba – o Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo dos Palmares, na década de 70, capitaneada por Candeia; e a Tradição, em meados dos anos 80, criada e até hoje presidida por Nésio Nascimento, filho do icônico Natal da Portela.
Porém as razões da crise são datadas. Nenhum portelense duvida de que a escola precisa modernizar-se. Se hoje há grande insatisfação com a atual administração, é exatamente porque se sabe que a escola está aquém das rivais, não lhes provoca temor, não as emula. Ao que se acrescenta a péssima gestão: falta de transparência, atrasos que se repetem a cada ano, denúncias de irregularidades financeiras, declarações absurdas que ofendem a inteligência alheia.
Tia Dodô e Monarco foram ovacionados pelo público na feijoada | Foto: Reprodução Internet
Monarco e Tia Dodô
Monarco e Tia Dodô lutam para ver a Portela voltar a ser vitoriosa na Sapucaí | Foto: Site Portelaweb
O carnaval carioca é cíclico. Há momentos de ascensão e declínio de agremiações. O declínio da Portela está duradouro (prefiro usar o verbo “estar”, que indica estado transitório, ao verbo “ser”). A Quilombo já não desfila, embora permaneça com atividades sociais e culturais; e a Tradição, que buscava resgatar os valores que a Portela perdera (tanto que, no início, chamava-se “Portela Tradição”), que em seus primeiros carnavais desfilava com enredos culturais e com sambas antológicos compostos por João Nogueira e Paulo César Pinheiro – essa Tradição, por irônico que pareça, é coisa do passado: a escola, no Grupo de Acesso, vive de reedições de sambas antigos dela própria, da Portela e de outras escolas.
Quando, em 2004, Nilo Figueiredo destronou Carlinhos Maracanã, o momento foi considerado o início da redenção da Portela. Não foi: bem ao contrário, acabou por dividi-la ainda mais. Novamente a escola vai às urnas. Que seja o momento de promover o reencontro do passado com o presente - e começar a construir o futuro.

Por Bruno Filippo

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