segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

80 ANOS DE DESFILES: IRREVERENTE, A SÃO CLEMENTE FEZ ATÉ O SAMBA SAMBAR!

A comissão de frente da São Clemente trazia os cartolas manipulando os mestres-salas
São Clemente
A comissão de frente da São Clemente trazia os cartolas manipulando os mestres-salas 
A crítica, a irreverência e o deboche dão à São Clemente um ar jovial. Mas não se deixe enganar por essa cinquentona. Por trás da aparência de novinha, ela tem muita história pra contar. E um desses causos vem do seu melhor momento na avenida: um carnaval inesquecível para o pavilhão amarelo e preto de Botafogo, "E o samba sambou".

A escola já vinha aprontando das suas desde 1984, com o enredo "Não corra, não mate, não morra, o diabo está solto no asfalto", sobre a violência no trânsito. Nos anos seguintes, a crítica correu solta: não poupou a situação crônica da habitação no Brasil nem a problemática saúde verde e amarela, e meteu o dedo em feridas profundas, como a questão do menor abandonado, da violência e da exportação das nossas riquezas a preço de banana.

Mas nada superou o carnaval de 1990. Ao criticar os modismos e as incoerências do desfile das escolas de samba, a São Clemente se agigantou na Passarela, num enredo muito bem sacado pelos carnavalescos Carlinhos Andrade e Roberto Costa. A começar pela comissão de frente, formada por mestres-salas feitos de boneco nas mãos dos cartolas do samba. Um senhor cartão de visitas!


A traseira do carro abre-alas trazia o arquivo morto do samba: baquetas que não batem, repiques sem pique...
A traseira do carro abre-alas trazia o arquivo morto do samba: baquetas que não batem, repiques sem pique... 
 
Já o abre-alas criticava a questão do som da Avenida, com a bateria eletrônica tomando conta do pedaço. Na parte de trás da primeira alegoria, uma surpresa: apareceu o arquivo morto do samba, numa imagem genial de sambistas da antiga fossilizados, em meio a faixas que diziam: "baquetas que não batem", "surdos mudos" e "repiques sem pique".

A picardia seguiu em frente com uma alegoria que trouxe até a imagem da Sapucaí cercada de arame farpado para afastar o povão. Outra grande sacada estava na ala do Cooper Samba, uma clara alusão ao desfile corrido de hoje em dia, em que o folião tem que ter muito fôlego para percorrer toda a Avenida em tão curto tempo.

As críticas se sucederam, embaladas por um samba magistral, composto por Helinho 107, Mais Velho, Nino e Chocolate. Entre os muitos versos inspirados, uma sentença e uma reflexão: "É fantástico / Virou Holywood isso aqui / Luzes, câmeras e som / Mil artistas na Sapucaí".

A ala do cooper na Avenida!
 
A ala do cooper na Avenida! 
 
E o desfile terminou com uma declaração de amor ao carnaval antigo, com as crianças representando o sambista de ontem, da velha Praça Onze, "antigo reduto de bambas, onde todos curtiam o verdadeiro samba".

Na Quarta-Feira de Cinzas, o sonho quase virou realidade, com a escola disputando as primeiras colocações. Mas no final, restou à brava escola uma honrosa e histórica sexta colocação, a apenas dois pontos da quinta colocada, a Estácio de Sá. Ou seja, por muito pouco a escola de Botafogo não desfilou no Sábado das Campeãs. Mas carimbou com toda a alegria um passaporte para o reino dos desfiles memoráveis. Naquele ano, até o samba sambou... e como sambou!


Raymondh Júnior


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