Quando comecei a compor, no fim da década de 80, ainda era mantida, na maioria das escolas de samba, a tradição de colocar senhores da velha guarda de fraque, bastão e cartola para abrirem o cortejo, eu sempre vi nesta prática a manutenção do samba como essência da resistência desta expressão cultural, nossa expressão... Os tempos mudaram, a festa mudou e evoluiu para uma grande peça de teatro musical ao vivo, não quero dizer que evolução neste caso signifique desenvolvimento ou melhora e sim uma transformação contínua e natural.
A caminhada das comissões de frente até chegarem à encenação atual passou por várias fases, posso dizer que dos quesitos em julgamento foi o último a alcançar o destaque característico de um espetáculo, desde mulheres e homens negros e altos seminus até fantasias que lembravam mais um destaque de alegorias, Joãosinho Trinta inovou, Luiz Fernando Reis revolucionou, Fernando Pinto quebrou paradigmas e a Vila Isabel da presidente Russa foi perfeita em 1990. Até hoje não consigo entender como uma comissão com mulheres grávidas simbolizando o direito à vida, no enredo direito é direito, possa perder pontos, coisas da difícil arte de julgar, como não entender a demonstração do primeiro direito que um ser humano possa ter?
O ano de 1994 foi marcante para as comissões: Renato Lage trouxe um tripé como elemento cenográfico auxiliar a coreografia e a Portela tornou-se a última escola a abandonar o binômio Velha Guarda e Comissão de frente aderindo a pseudomodernidades. Vila Lobos deve ter se orgulhado dos sapos e a sodade do cordão, no bailado da Mocidade Independente em 1999; Eu mesmo fiquei orgulhoso de viver o século do samba em verde e rosa neste ano musical, um trunfo mangueirense, quanto talento, tantos sambistas, foi de tirar o chapéu.
Em determinado momento veio após o carro abre alas, em algumas escolas de samba mais de uma comissão desfilou no mesmo carnaval, se não me falha a memória a Beija Flor já entrou no palco fixo do carnaval com três comissões, se bem que apenas uma seria julgada e por fim algumas vezes teve como elemento cenográfico o abre alas, lembro do ano de 2007 na Renascer de Jacarepaguá quando jacarés desceram da frente do carro alegórico, uma surpresa para todos.
Nos dois últimos anos uma revolução tomou conta do setor, vestidos foram trocados em segundos e os olhos expectadores não conseguiam entender o segredo da troca de roupas ao ar livre, cabeças caíram abandonando o resto dos corpos em cima de uma plataforma suspensa para ficar na altura do olhar dos jurados: mágica, mistério, Unidos da Tijuca de Paulo Barros...
A Comissão de frente do ano de 2012 pede passagem e inicia o seu desfile: Como será o amanhã? Pra quem já foi Popó, criança astronauta e amolador de faca; viveu uma crise existencial sendo metade noivo - metade noiva; nas águas foi escafandrista; usou sombrinha, leque, máscara e asas; uniu mendigos no luxo do lixo, voltou a pré-história com o tambor, Mary Shelley viu seu personagem sambar, Camões navegou num barquinho de papel e Moises levitou até o Monte Sinai; foi malandro subindo o morro e arauto tantas vezes que é melhor não perder a conta! Foi colibri, guerreiro, louco, saltimbanco, palhaço, o sorriso de Niterói; a Portela na essência maior do que é ser portelense foi: Bretas, Monarco, Ari do Cavaco, Wilson Moreira, Casemiro, Carioca, Jorge do Violão, Marcos, Edir Gomes, Zeca Pagodinho, Galo, Norival Reis e Jair do Cavaquinho...
A cada ano a espera por uma grande surpresa, uma coreografia inovadora é total, são segredos e mais segredos guardados a sete chaves, os profissionais do meio se desdobram para alçar destaque, conquistar o público e as notas máximas, tantos são os nomes inspirados a frente das comissões que me reservo o direito de não citar nomes, evitando um possível esquecimento, muita sorte a todos, feliz ano novo e abram alas para folia que as comissões de frente preparam-se para o show...
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