quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

VALCI PELÉ - O PASSISTA

Por Rafaela Bastos, colunista de O Globo
 
Dia 19 de Janeiro - Dia do Passista
Valci Pelé - O Passista



                                   Hoje é comemorado o Dia do Passista.
                                  
                                   Mais que uma data comemorativa, a intenção de se ter um dia para esta comemoração é importante e especial.

                                  Importante porque é símbolo da luta contra os desmandos de Diretorias de Carnaval que, em sua maioria, durante alguns anos, não privilegiaram este segmento nos desfiles das escolas de samba.

                                  Especial porque foi iniciado por nós mesmos, Passistas, que sabemos que fazemos a diferença no Carnaval. Temos a obrigação de voltarmos/começarmos a agir como personagens distintos que somos e melhorarmos nossa imagem, independente do preconceito sofrido por homens e mulheres que vivem pelo samba.

                                 Sempre falo que vivemos pelo samba e pelo Carnaval, maior festa cultural brasileira. Nenhum Passista é muito bem remunerado para viver de samba. São gastos com ensaios e figurinos, além de shows não gratificados para colaborar, como segmentos que somos, com as nossas agremiações. Viver depor, pelo e pela: por amor, pelo samba e pela sua escola de coração. Não tem como inventar, a fórmula é Passista = samba + amor + agremiação. samba é muito pouco para tamanha dedicação. Não temos escolha. Tem que ser.

                                   A bandeira desta luta foi hasteada para iniciar um processo de valorização do Passista e do segmento, a Ala de Passistas.

                                Novamente, lutamos para termos um espaço na festa carnavalesca, o nosso espaço. Mesmo porque, o Passista, tanto o masculino quanto feminino, sempre foi considerado representante singular da arte do samba no pé. Os amantes do Carnaval não me deixam mentir.

                               Durante algum tempo ficamos conhecidos como simplesmente sambistas e não como Passistas, os quais sempre fomos. Esta confusão era acompanhada por um discurso cínico de mídia televisiva, que diminui consideravelmente a importância de alguns personagens no Carnaval e que, tampouco, fazia questão de conhecer a essência de toda essa manifestação cultural e, desse modo, transformando-a claramente em produto midiático.

                                 Além disso, existe a parcela de desvalorização que é fruto do preconceito social e do comportamento oportuno de alguns homens e mulheres que fazem parte do nosso segmento. Alguns desses procedimentos, aspectos históricos e culturais da sociedade brasileira, trouxeram a mácula da malandragem e da sensualidade em suas faces mais depreciativas à figura do personagem Passista. E, infelizmente, não temos escolha, pois advém do olhar do outro, cristalizado pela cegueira moral ou discriminação.

                                 Mas a verdade é a que eu quero mostrar. Mostrar quem é O Passista. Entretanto, quem vai se apresentar é ele mesmo, Valci Pelé!!! Um Passista militante, malandro, porque sabe conquistar a Mulata sem se apaixonar por ela para não ficar refém da sensualidade do seu samba, e esta é a verdadeira malandragem da ala masculina.

                                Uma entrevista com Valci Pelé. E essa é a minha homenagem a todos os Passistas!!!

Valci Pelé

RB: Valci Pelé, fale um pouco sobre você e o seu início no mundo do samba.
VP: Eu venho de uma família de portelenses, mas não são sambistas por natureza, o meu avô era músico. Certa vez, a minha mãe se fez passar por porta-bandeira, na falta da oficial, no bloco de rua chamado “Namora Eu Sei” do bairro de Guadalupe, e assim dizem que, no dia do desfile, ela representou bem.
O meu primeiro contato com o samba foi aos 14 anos de idade, quando comecei a trabalhar como chapeleiro para o G.R.E.S. Tradição, pois na ocasião estava de férias no colégio, sendo assim, passei a participar dessa fábrica de sonhos. Foi quando no ano de 1986, fui descoberto em uma festa de família, no quintal dos meus avôs em Vila da Penha, levado ao som de um inspirado pagode, onde a saudosa mulata Portelense Nega Pelé estava presente, e, ao me assistir riscando o chão de poesias, falou para todos presentes, que me levaria para o mundo dos solistas. Por esse motivo levo com orgulho o sobrenome Pelé em homenagem a minha madrinha do Samba.


RB: Para você, o que significa ser Passista?
VP: Passista é aquele que atua nas quadras de Escolas de Samba e Avenida, por meio do encantamento gestual do sambar, encarregado de potencializar os significados do samba em seu corpo enquanto a agremiação carnavalesca atravessa a Avenida Marquês de Sapucaí. O Passista é ao mesmo tempo mágico e invisível, através da sua intuição e criação, definindo assim a figura Passista é uma das estrelas do maior espetáculo cultural da terra.


RB: Os passistas estavam perdendo espaço nos desfiles de escolas de samba e nas agremiações. Pessoas como você resgataram a importância deste personagem no Carnaval Carioca. Qual a sua expectativa para a arte de sambar e para este personagem no futuro?
 VP: A partir do momento que eu e Nilce Fran (na foto abaixo ao meu lado), assumimos uma responsabilidade de buscar essa essência da dança do samba, fizemos com que a ala de passista passasse ter uma importância, e uma referência dentro dos desfiles para as co-irmãs.
E nessa perspectiva fez me crer a falta de material de referência a respeito do assunto que nos dispomos a explorar, a Dança do Samba.
Surge o livro “Passo dos Sonhos”, com a finalidade de desenvolver, e inserir nas escolas, a Dança do Samba como “agente social” capaz de transformar e orientar a vida de crianças, jovens e suas famílias.



RB: Hoje em dia, temos uma nova questão inserida no Segmento Ala de Passistas: a homossexualidade. O que mais nos chama atenção, por ser maioria, é o passista masculino gay. Percebo que o passista que tem essa opção sexual (e essa não é uma observação discriminatória e sim comportamental) divide-se entre a admiração à Mulata e a vontade de cortejá-la, uma das funções características de todo o passista masculino. Por ser maioria, hoje em dia, nas escolas de samba, muitos diretores de Carnaval e Harmonia, reclamam do jeito afeminado  de dançar dos homens. Como você entende a questão da homossexualidade na Ala de Passista, sendo passista masculino, professor da arte do samba e diretor de segmento?
 VP:Nada contra a opção sexual, porém o passista masculino tem a responsabilidade representativa do personagem, por exemplo, existem algumas diferenças básicas dos passos do samba no pé, para o Passista Masculino e a Passista Feminino:
Masculino: Pés - Plantado no solo / Feminino: Pés - Meia Ponta.
Masculino: Quadril - Movimento natural / Feminino: Quadril Movimento acentuado.
Masculino: Joelhos - Semiflexionados / Feminino: Membro inferiores - Estendidos.

Vejo que realmente essa mudança tem que vir de dentro para fora, falo em relação aos diretores das alas de passistas, pois os mesmo tem a obrigação de passar o que é ser passista, considerando a sua postura, e a forma do samba dançado. Essa outra forma de se expressar a dança, afeminada, faz com que tome outro rumo a arte da Dança do Samba, gerando confusão entre os papéis representados pelos personagens.




RB: Dia 19 de janeiro é o dia do passista. Você foi o principal fomentador desta data e da lei que a promulga. O que o motivou e qual foi o seu papel nesta empreitada?
VP: Na verdade, os maiores motivadores foram os grandes artistas da dança do samba do passado como: Claudionor Marcelino dos Santos, Tijolo, Nega Pelé, que me motivaram a lutar pela causa.
Em 2000, tive o prazer de construir uma grande amizade ao saudoso Jornalista José Carlos Rêgo, que me fez acreditar que poderia fazer da dança do samba , o meu ofício e ao mesmo tempo perpetuá-la, sendo assim fui criando laços e ao longo dos anos levei vários projetos direcionados ao segmento Passista. Prova disso, foi o Instituto de Cultura e Cidadania Primeiro Passo, sendo o primeiro projeto que o Sr. José Carlos Rêgo ajudou a realizá-lo, em 2011 o mesmo completou 10 anos de atividades, daí cria-se vários desdobramentos a serem traçados e desenvolvidos como : ( Cia. Dança do Samba – Seminário Arte do Samba – G.R.B.C. Primeiro Passo – Duo Primeiro Passo – Grupo de Samba Jaqueira – Campanha Quem Samba Recicla – Livro Cultural Passo dos Sonhos ). Foi assim realizando grandes projetos focados ao segmento, que me fez percebe que poderíamos criar várias vertentes, foi quando nos reunimos e citei sobre o dia do passista, e o mesmo ficou muito emocionado ao ver o projeto desenvolvido. Em 10 de janeiro de 2007 conseguimos sancionar a lei do dia do Passista, que Fica incluído no calendário Oficial do Município o Dia do Passista das Escolas de Samba a ser comemorado no dia 19 de Janeiro.


Raymondh Júnior

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