Carlinhos de Jesus |
Após perda do filho, Carlinhos de Jesus quer usar Carnaval 2012 para "sacudir a poeira"
Desfilar na passarela do samba neste Carnaval no Rio de Janeiro não vai ser fácil para o dançarino e coreógrafo carioca Carlinhos de Jesus, de 58, que vive ainda um momento de superação após a perda do filho Dudu. Carlos Eduardo Mendes de Jesus, 32, conhecido como Dudu de Jesus, foi assassinado, no dia 19 de novembro do ano passado, com vários tiros quando saía de um bar em Realengo, no subúrbio do Rio.
“Este Carnaval vai ser intenso, vou ter que me preparar para segurar as emoções. Eu sei que vai ser barra”, disse Carlinhos, que à imprensa em sua academia de dança em Botafogo, no Rio, para falar de seu trabalho na comissão de frente da tradicional escola Império Serrano, que este ano desfila no Grupo de Acesso A e homenageia Dona Ivone Lara. “A gente erra com a topada. Se eu cair, o meu objetivo é me levantar, sacudir a poeira e continuar a minha vida”, disse. E é isso o que tem feito para superar a tragédia da perda do filho, admite.
Carlinhos também relembrou carnavais que marcaram a sua trajetória. Após dez anos de Estação Primeira de Mangueira, o bailarino se emociona quando fala da sua experiência na verde e rosa.
“É um sonho de criança. A Mangueira marcou a minha vida”, conta.
Carlinhos é perfeccionista
Eram 9h de uma segunda-feira e os bailarinos da companhia de dança do coreógrafo Carlinhos de Jesus já estavam ensaiando. Na companhia, alguns são os dançarinos permanentes e outros estagiários que normalmente atuam como ‘standings’ dos espetáculos. Ainda sem a presença do ‘chefe’, como Carlinhos é chamado, os dançarinos se organizam e intercalam o ensaio repassando coreografias de espetáculos.
"Não faço distinção por ser Grupo Especial ou de Acesso. Sou exigente e chato."
Em 2011, a companhia de dança de Carlinhos ajudou a Beija-Flor a levar o título de campeã do Carnaval carioca inovando na atuação junto com o casal de mestre-sala e porta-bandeira. Neste ano, os 15 bailarinos se preparam agora para representar a tradicional Império Serrano, que luta para subir para o Especial.
Carlinhos promete não revelar os segredos da comissão de frente até a última hora. No Sambódromo, os ensaios técnicos são sempre de improviso. “Os dançarinos ainda nem viram o figurino. Nesse caso, o figurino é o elemento principal e a coreografia, o complemento. Toda a execução é em função do figurino”, adiantou Carlinhos que admitiu ser esta a fase mais estressante e de ansiedade, a espera do figurino para arrematar a coreografia.
Como tem sido a rotina de ensaio para a comissão de frente do Império Serrano?
Carlinhos - Tenho uma equipe, são os mesmos componentes da comissão de frente da Mangueira. Da companhia somos 11. Mais os standings e o pessoal do curso de formação, a gente chega a 22 componentes. Os standings ensaiam as posições coreográficas e em alguma emergência, eles substituem. Não faço distinção por ser Grupo Especial ou de Acesso. Sou exigente e chato. O meu trabalho com os dançarinos é muito pedagógico. A gente já está pesquisando sobre Ivone Lara, a história de Madureira, o jongo da Serrinha e a comunidade do Império Serrano que é uma escola tradicional. Nos laboratórios que faço com o grupo, eu observo determinadas características do bailarino. Tenho um olho clínico, quero sentir a pulsação do bailarino, sou muito visceral. Tem muitos que tem técnica mas não têm emoção, não tem envolvimento. Isso é o que faz diferença no meu trabalho.
"O que me incomoda é se eu não tirar 10. As dez comissões que fiz na Mangueira foram dez filhos. Perguntar qual filho eu gosto mais, é difícil."
Carlinhos - A maturação é só na quarta-feira de cinzas, só depois do desfile. Para mim, só está bom depois do desfile. O processo é mutante até antes de abrir o portão e ser a hora do desfile. Já aconteceu de o portão abrir, o que a gente chama de curral, e estar faltando um bailarino. Isso foi na comissão de 1999, na Mangueira, com os ‘bambas do samba’. Eram personagens com máscaras. Antes de chegar no primeiro jurado, o bendito apareceu. Justamente o que faltava era o Ismael Silva que, na vida real, nunca chegou na hora dos desfiles. A ficção imitou a realidade literalmente. Estávamos preparando para entrar na avenida, os bailarinos vinham por um túnel cenográfico, e naquela confusão, a Mangueira cantou o hino, começou o desfile, e cadê o Ismael?
"A minha vida mudou muito nos últimos meses. A gente erra com a topada, se eu cair o meu objetivo é me levantar e sacudir a poeira e continuar a minha vida."
Carlinhos - Cada desfile é um. Já teve vez que mudei na hora, teve um problema na alegoria e tive que substituir por outro plano. A Mangueira marcou a minha vida. Foi o casamento perfeito, tenho certeza que contribuí muito para a Mangueira como ela contribuiu muito na minha vida. A Mangueira é a minha emoção. Eu me emociono quando falo de Mangueira, é um sonho de criança. Meu primeiro olhar para a Mangueira foi (Mestre) Delegado, meu segundo olhar foi Cartola, Nelson Cavaquinho. Achava que seria passista da escola e não substituir Débora Colker na comissão de frente da Mangueira.
Quais carnavais te marcaram mais?
Carlinhos - O Carnaval dos malandros em 1998, que eu mudei a comissão de frente na Avenida, era pura cena, tinha briga. O ano seguinte também marcou pelos bambas do samba, a escola ficou em sétimo e não voltou no sábado das campeãs. Mas marcou como se ela tivesse voltado. O que me incomoda é se eu não tirar 10. Quando busco o meu 10, torço para que todos os outros segmentos sejam 10 e que a escola seja campeã. As dez comissões que fiz na Mangueira foram dez filhos. Perguntar qual filho eu gosto mais, é difícil.
Na Beija-Flor, foi uma inovação unir a comissão de frente ao casal de mestre-sala e porta-bandeira?
Carlinhos - Foi a primeira vez que uma comissão fez essa integração. A escola queria radicalmente mudar o contexto visual, a fachada da escola. Tivemos um desfile antes que inundou a Avenida de óleo, a gente patinava. Tinha muito medo da comissão atrapalhar a evolução do casal de mestre-sala e porta-bandeira. A comissão foi a primeira a sofrer o baque do óleo, foi horrível, e a responsabilidade de ter a Cláudia Raia na nossa comissão e prejudicar o desfile.
Como você define o Carnaval na sua vida?
Carlinhos - É meu sangue, não faço nada a que eu não me entregue. Eu tenho que sentir, é visceral, não importa se vou ou não receber, se me der vontade de fazer, eu faço. A minha vida mudou muito nos últimos meses, a gente não deve dizer que não vai fazer nada na vida. A gente erra com a topada, se eu cair o meu objetivo é me levantar e sacudir a poeira e continuar a minha vida. Tudo que fizer na minha vida hoje eu tenho que superar o momento. O carnaval vai ser barra porque a gente (o filho Dudu) estava junto no carnaval. Ele começou nos malandros da primeira comissão da Mangueira, também foi o Cartola em 1999. Ultimamente ele estava voltado para o grupo de pagode que eu estava coproduzindo e copatrocinando. Ele não desfilou na Beija-Flor, mas foi na Avenida comigo.
Você acha que conseguiu levantar e sacudir a poeira?
Carlinhos - Acho que sim. Não foi a primeira porrada que levei na minha vida, mas essa foi uma porrada muito forte. Nunca tive as coisas facilmente, sempre busquei e conquistei, errando e acertando. Não sou tão forte assim, guerreiro mas não tão forte assim. Acho que a Sapucaí... tenho que diluir aos pouquinhos. Desfilar no sábado (de Carnaval) na Império Serrano já vai me preparar para domingo ou segunda-feira quando vou trabalhar na direção artística de alguns camarotes. Esse Carnaval vai ser intenso, vou ter que me preparar, para segurar as emoções. Sei que vai ser barra. Eu sou que nem pau d’arco, envergo mas não quebro.
Raymodh Júnior
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