terça-feira, 17 de janeiro de 2012

ARTE BRASILEIRA DÁ SAMBA NO CARNAVAL CARIOCA DE 2012



Enredo da Mocidade vai homenagear Portinari Foto: Leonardo Aversa / O Globo
Mocidade vai homenagear Portinari


Pela primeira vez em 80 anos de desfiles, mais da metade das escolas do Grupo Especial terá nomes e histórias da cultura nacional como enredo, sem didatismo



Um passeio pelos 80 anos de desfiles das escolas de samba do Rio permite constatar que nunca antes de 2012 a arte brasileira esteve tão representada na avenida: mais da metade (sete em 13) das agremiações do primeiro grupo (hoje Grupo Especial) falará, em 19 e 20 de fevereiro, de artistas e histórias da produção artística nacional. A matemática é inédita e a abordagem da maioria dos carnavalescos, heterodoxa.

Eles dispensaram o tradicional modelo de biografias e temas apresentados cronologicamente, cujo suposto objetivo é facilitar a compreensão do público. Para homenagear Luiz Gonzaga no ano de seu centenário, Paulo Barros criou na Unidos da Tijuca uma cerimônia de coroação do rei do baião com a presença de monarcas de sangue azul ou não: Luís XV, Dom João VI, Cleópatra, Roberto Carlos, Michael Jackson e outros.

— Eles desembarcam no aeroporto e vão passear em lombo de burro pelo universo do Gonzagão — conta o campeão de 2010, que escolheu um funcionário da escola para representar o compositor. — Mas não há referências a Exu (cidade natal do artista), a Gonzaguinha, a nada da vida dele. Só no último setor falamos de algumas músicas, como “Asa branca” e “Vida de viajante”. Vamos contar a história de uma grande festa.

O Nordeste também é o cenário do enredo do Salgueiro. O cordel, que já chegou a ser cantado por duas escolas num mesmo ano (Imperatriz Leopoldinense e Em Cima da Hora em 1973), ganha de Renato Lage um tratamento despreocupado em elencar os principais autores e livretos.

— É uma arte muito bonita, visualmente e com suas histórias de reis e rainhas, pois os livretos têm origem medieval. Vamos mostrar aspectos como o religioso e o político, destacando alguns personagens: Lampião, Padre Cícero, Antônio Conselheiro — diz Lage.


Escritor e cantora em homenagens à Bahia

Descendo para a Bahia, chega-se a duas escolas. A Imperatriz citará livros de Jorge Amado apenas na quinta e última parte do enredo, ressaltando nas outras elementos recorrentes da obra do escritor: a lavagem da Igreja do Senhor do Bonfim, o grande mercado, a religiosidade e as festas do Pelourinho. O caminho escolhido pelo carnavalesco Max Lopes agradou à família do também centenário artista, segundo conta a neta Cecília Amado:

— Nossa preocupação é que houvesse um falso respeito e que ele fosse retratado de uma forma acadêmica. Faz mais sentido a literatura dele ser tratada de maneira livre, com a liberdade do carnaval, do que seguir a linha de vida e obra. Foi muito acertada a opção.

No caso da Portela, os caminhos para se chegar à Bahia foram sinuosos. De olho em patrocínios, a escola pensava em exaltar Florianópolis ou o Rio Grande do Sul. Participante frequente das festas populares baianas, o compositor e militante portelense Marquinhos de Oswaldo Cruz insistia no tema, que conquistou a simpatia do carnavalesco Paulo Menezes — além de uma ajuda do governo da Bahia na busca de recursos de empresas. Mas Menezes acrescentou Clara Nunes como condutora do enredo. Mineira radicada no Rio, a cantora, madrinha da escola, era amante das cerimônias religiosas baianas e interpretou várias músicas ligadas a ela, como “Conto de areia”.

— Eu tinha imaginado a águia (símbolo da Portela) fazendo essa viagem, mas o Paulo queria falar da Clara, e deu muito certo — diz Marquinhos.

A cantora, aliás, é o enredo da Paraíso de Tuiuti, no principal Grupo de Acesso, no qual também serão lembrados Dona Ivone Lara (Império Serrano) e mais um centenário, Nelson Rodrigues (Viradouro).

A data redonda que motiva o enredo da Mocidade Independente é o cinquentenário de morte de Candido Portinari. Alexandre Louzada priorizou os personagens e as paisagens do pintor em vez da biografia do próprio.

— A arte conta a vida. É uma visão poética — afirma o carnavalesco, que estreia em Padre Miguel após cinco anos e três títulos na Beija-Flor.

O abre-alas terá o rosto de Portinari, e as demais alegorias mostrarão assuntos marcantes de suas telas, como os retirantes, o cafezal e o morro. O último carro será sobre “Guerra e paz”, os dois grandes painéis (14 m x 10 m) encomendados pela ONU e concluídos em 1957.

— As imagens saem da tela para a realidade, ganham terceira dimensão — diz Louzada sobre as alegorias.

Diretor geral do Projeto Portinari, João Candido Portinari, filho do artista, diz que chorou ao ouvir Louzada apresentando sua sinopse. Quando ela foi lida para os compositores da escola, chorou de novo.

— Ele captou a essência da obra do meu pai — conta João, que não ajudou financeiramente a escola.

Renascer de Jacarepaguá, que estreará no Grupo Especial abrindo os desfiles deste ano, é a exceção à regra do antididatismo. O enredo desenvolvido por Edson Antunes acompanha a vida de Romero Britto, da infância pobre em Recife à consagração internacional como um pintor de figuras e cores alegres, morador de Miami, muito requisitado por empresas para campanhas publicitárias e admirado por celebridades como Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger.

— O grande valor que ele tem é muito mais reconhecido fora do Brasil. Acho que virar enredo de uma escola de samba já está contribuindo para que ele seja mais valorizado aqui — acredita Antunes, que tem procurado ser fiel às telas e ilustrações. — Elas se materializarão na avenida.

Romero também estará presente, na última alegoria. No desfile, será lembrado que ele descobriu a pintura ao ver um livro sobre Caravaggio. E, segundo diz, sofreu influência de Picasso mais tarde.

Na Mangueira, ainda se sabe pouco sobre como será a homenagem ao bloco Cacique de Ramos, que completou 50 anos em 2011. O carnavalesco Cid Carvalho está proibido pelo presidente da escola, Ivo Meirelles, de dar entrevistas por enquanto, e o barracão também não pode ser mostrado. O que está exposto é a alegria de Bira Presidente, fundador do Cacique.

— Não tem dinheiro que pague estar vivo nesse momento. Não sei como vou me conter. Já estou sob cuidados médicos — diz o líder do grupo Fundo de Quintal, que se orgulha de ter visto despontar, na quadra de seu bloco, sambistas como Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Arlindo Cruz, Sombrinha e Dudu Nobre.

Ainda haverá menções a artistas brasileiros em pelo menos três outras escolas: maranhenses como Alcione, Ferreira Gullar e Joãosinho Trinta na homenagem da Beija-Flor ao estado; Martinho da Vila no enredo de sua Unidos de Vila Isabel a respeito de Angola; e atores e diretores na abordagem da São Clemente sobre espetáculos musicais.

São vários os títulos conquistados por escolas que reverenciaram artistas brasileiros. No ano passado, a Beija-Flor foi campeã exaltando Roberto Carlos.


Raymondh Júnior

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